“Prezados colegas de mesa, Joaquim Levy, Ministro de Estado da Fazenda, Doutor Roberto Rodrigues, Embaixador Especial da ONU para o Cooperativismo, Doutor Márcio Lopes, Presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras, e Édson Feltrim, Diretor de Relacionamento Institucional e Cidadania do Banco Central, nas pessoas dos quais cumprimento as demais autoridades e líderes do setor cooperativista aqui presentes.
Excelentíssimo Deputado Osmar Serralho, Presidente da Frente Parlamentar do Cooperativismo, na pessoa de quem saúdo o Poder Legislativo.
Prezado Diretor de Regulação do Banco Central, Otávio Damaso, na pessoa de quem saúdo meus colegas de Diretoria Colegiada e demais servidores do Banco Central.
Caros representantes dos órgãos de imprensa.
Senhoras e senhores, bom dia.
É uma enorme satisfação recebe-los no Banco Central.
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Entre tantos aspectos que distinguem o setor cooperativista de crédito no Brasil, alguns merecem ser reiteradamente destacados.
O primeiro deles é o papel das cooperativas de crédito no processo de inclusão financeira, seja do ponto de vista social, levando um conjunto de serviços financeiros a uma parcela da população pouco atendida pelo sistema, seja do ponto de vista geográfico.
O cooperativismo de crédito também tem importante papel na reciclagem da poupança local ao promover o reinvestimento, no mesmo município ou região, de recursos originados localmente, contribuindo com isso para o desenvolvimento, em particular, do interior do país.
De maneira mais específica, as cooperativas de crédito voltadas, por exemplo, à agricultura familiar e as cooperativas de micro e pequenos empresários, têm uma atuação ímpar no fomento às atividades econômicas desenvolvidas por seus associados.
Talvez um aspecto menos mencionado, mas igualmente importante, é o papel singular das cooperativas napromoção da educação financeira, na medida em que seus associados são não apenas usuários dos serviços prestados pela instituição, mas também seus donos, responsáveis últimos por importantes decisões na área financeira.
Sendo a cooperativa uma sociedade de pessoas, portanto, entidade com características associativas, econômicas e sociais tão peculiares, cabe também salientar a oportunidade que essas instituições representam, do ponto de vista do regulador, de promoção de maior diversidade de abordagens dentro do sistema financeiro.
A existência e a pujança de instituições mutualistas, com objetivos bastante distintos daqueles das instituições financeiras de molde empresarial, ajudam a aumentar a resiliência geral do sistema financeiro, assim como promovem maior competição e, em última análise, melhores serviços à população.
Importa destacar que, em nossa ação junto às cooperativas de crédito, contamos muito particularmente com o apoio de entidades representativas do segmento. A Organização das Cooperativas Brasileiras, como representante do sistema cooperativista, e o seu conselho consultivo, o CECO, sedimentaram ao longo do tempo um canal que permite o acesso do Banco Central às principais demandas das instituições reguladas, assim como nos transmite os problemas enfrentados pelos seus associados.
Esse é o principal fundamento do Acordo de Cooperação firmado em 2010 entre a OCB e este Banco Central, com o objetivo de fortalecer o cooperativismo de crédito e aprofundar o intercâmbio entre os dois entes, que hoje teremos a satisfação de aditar para aprimorar ainda mais seu objeto e sua governança.
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Feita essa introdução, que bem ilustra nosso particular interesse no desempenho das cooperativas de crédito, gostaria de fazer um rápido retrospecto do setor, relatando seu significativo desenvolvimento nos últimos anos.
Podemos perceber essa evolução em termos quantitativos e também com relação ao aperfeiçoamento de práticas de gestão, melhor estruturação dos sistemas cooperativos, atualização tecnológica e de controles administrativos; desenvolvimentos que ocorreram pari passu com o aperfeiçoamento do quadro normativo que rege o setor.
Como vocês sabem, o sistema cooperativista de crédito atualmente está constituído por dois bancos cooperativos, quatro confederações, 35 cooperativas centrais e pouco mais de 1.000 cooperativas singulares de crédito, quantidade que apresentou uma pequena redução nos últimos anos em decorrência de um saudável processo de consolidação e fortalecimento por meio de incorporações.
De toda forma, o número de associados e o montante das operações do setor contam uma história de vigoroso crescimento, como evidencia o aumento da quantidade de cooperados nos últimos quatro anos, de quatro milhões e duzentos mil no final de 2010, para sete milhões e meio no fim de 2014, segundo projeções do FGCoop.
Nesse mesmo período, o patrimônio líquido, os ativos, os depósitos e as operações de crédito do setor cresceram entre 108% e 138%, enquanto o número total de sedes e postos de atendimento superou a marca de 5.300 pontos.
Tal crescimento se assenta em bases sólidas de regulação e supervisão, firmemente fundadas na busca por um balanço equilibrado entre direitos e obrigações dos entes regulados.
Em certo sentido, o Banco Central é um promotor da evolução do sistema cooperativista de crédito, com a elaboração de normas que visam o ganho de escala e de escopo pelas cooperativas de crédito, sem prejuízo da filosofia cooperativista, que coloca em primeiro lugar as necessidades de seus associados, e os coloca no topo da governança dessas instituições.
Da mesma forma, temos uma preocupação particular com o adequado tratamento da heterogeneidade dentro do segmento, pois ao tempo que há cooperativas pequenas, simples e incapazes de enfrentar altos custos de observância, também existem cooperativas e sistemas extremamente sofisticados, que nada ficam a dever aos bancos comerciais com os quais concorrem.
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Senhoras e senhores,
Hoje podemos dizer que estamos às portas de um novo ciclo do cooperativismo de crédito no Brasil. Para que possamos também fundamentar seu desenvolvimento em bases sólidas, é fundamental que olhemos para trás para entender os caminhos percorridos nos ciclos anteriores.
Desde a edição da Lei Cooperativista de 1971, a primeira intervenção regulatória importante foi a Resolução 1.914, de 1992.
Naquela época, havia duas categorias de cooperativas, as “de economia e crédito mútuo” e as “rurais”, com uma lista muito restrita de possibilidades de associação e de operações permitidas. Os próprios sistemas cooperativos estavam ainda em formação, com uma organização muito aquém da que ostentam hoje, especialmente em termos da prestação de serviços às cooperativas singulares e do acompanhamento e supervisão de suas operações.
Ao longo desse período, acompanhando e induzindo a evolução do segmento, houve uma série de aprimoramentos normativos no que diz respeito às atividades permitidas às cooperativas singulares, à organização vertical dos sistemas e, sobretudo, à ampliação do quadro social daquelas já existentes.
Ao mesmo tempo, foram sendo criadas e aprimoradas continuamente as regras prudenciais, de maneira geral, aproximando paulatinamente a regulamentação do setor àquela aplicada aos bancos comerciais.
Os pontos mais destacados dessa evolução do marco regulatório foram os seguintes:
- Em 1995, a criação dos bancos cooperativos.
- Em 1999, foi atribuída às cooperativas centrais a função de supervisão auxiliar e foram estabelecidos limites de alavancagem e de diversificação de risco e a obrigatoriedade de auditoria das demonstrações financeiras por auditor independente.
- No ano seguinte, as cooperativas passaram a ter de cumprir o requerimento de capital de acordo com o risco das operações, previsto no Acordo de Basileia.
- Em 2002, foram criadas as cooperativas de microempresários, microempreendedores e pequenos empresários.
- Em 2003, foram criadas as cooperativas de livre admissão de associados e estabelecida a obrigatoriedade de apresentação de projeto inicial para a autorização de funcionamento. Este foi importantíssimo passo regulamentar que criou o ambiente para ampliar o número de associados e a evolução nos indicadores agregados que mencionei há pouco.
- No ano de 2007, foi flexibilizado o limite de área de atuação das cooperativas de livre admissão, permitida a adesão de pessoas jurídicas nas singulares e instituída a figura da entidade de auditoria cooperativa, dentro do próprio sistema.
Podemos dizer que uma nova etapa foi iniciada com a edição da Lei Complementar 130, de 2009, que criou o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, norma originada de discussões que tiveram a participação ativa deste Banco Central, do Ministério da Fazenda, do segmento, representado pela OCB/CECO, e do parlamento.
A Lei Complementar 130 foi importante em diversos aspectos, por exemplo, ao consagrar a competência do Conselho Monetário Nacional para dispor sobre a operação de cooperativas de crédito em quase todos os domínios, assim como reforçar as características essenciais dessa regulamentação, permitindo, no entanto, sua adaptação à evolução do próprio segmento.
Na sequência, três resoluções do CMN ampliaram as possibilidades de formação e de atuação de cooperativas de crédito. A primeira foi a Resolução 3.859, de 2010, que modernizou e consolidou as normas relativas a sua constituição e funcionamento.
Ainda no mesmo ano, a Resolução 3.897 instituiu o regime prudencial simplificado, a partir do qual as cooperativas que não realizam operações ativas mais arriscadas passaram a poder optar por prover informações mais simplificadas ao Banco Central, baseadas em sua própria contabilidade, para fins do cálculo do requerimento de capital baseado em risco, reduzindo assim os custos de observância da norma.
Em 2012, foi igualmente importante a regulamentação do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito, pela Resolução 4.150, nos mesmos moldes do Fundo Garantidor de Créditos do sistema bancário. O FGCoop iniciou suas operações em 2013 e hoje conta com patrimônio superior a duzentos milhões de reais, oferecendo ao depositante em cooperativas os mesmos níveis de proteção dos clientes de serviços bancários.
Penso que esse longo caminho de aprimoramentos nos trouxe a um ponto ótimo para o início de um novo ciclo do cooperativismo de crédito nacional, que tem potencial para levar o setor a outro patamar em termos de sua abrangência e de representatividade no Sistema Financeiro Nacional.
Como um primeiro e importante passo dessa caminhada, tenho a satisfação de divulgar aqui uma resolução recentemente aprovada pelo CMN que introduz uma nova forma de segmentação das cooperativas de crédito, que refletirá mais adequadamente o perfil de risco dessas instituições.
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Como sabemos todos, o Banco Central apresentou em novembro do ano passado a Consulta Pública 47, sobre a norma que altera significativamente a forma de segmentação até hoje vigente entre as cooperativas de crédito. A alteração foi muito bem recebida pelo segmento, e há boas razões para isso.
A evolução histórica da regulamentação que mencionei há pouco acabou levando a uma segmentação complexa, que implicava um tratamento prudencial distinto para cooperativas que representavam, essencialmente, o mesmo grau de risco.
Ao mesmo tempo, algumas cooperativas tinham seu quadro associativo limitado simplesmente porque a opção específica que lhes interessava não fazia parte do rol de segmentos presente nas resoluções.
Por outro lado, cooperativas extremamente simples, como as de capital e empréstimo, enfrentavam requisitos prudenciais mais elevados que o justificado estritamente por seu grau de risco.
Nesse cenário, o CMN decidiu conferir plena consequência à possibilidade, já prevista na Lei Complementar 130, de dar ao grupo fundador ou à assembleia geral liberdade para determinar o quadro associativo que mais se ajusta a seus interesses, cabendo ao Banco Central o enquadramento das cooperativas conforme o grau de risco que elas incorram e a aplicação do regime prudencial correspondente.
Essa é, portanto, além de uma providência de racionalização muito aguardada, um marco notável na história das cooperativas de crédito no Brasil.
A Resolução 4.434, publicada hoje, estabelece três graus de risco, correspondentes a três tipos de cooperativas de crédito: as plenas, as clássicas e as de capital e empréstimo.
As cooperativas plenas poderão praticar todas as operações previstas para as cooperativas de crédito, e entre elas estão, de maneira geral, as cooperativas de maior porte. Delas serão exigidos maiores montantes de capital inicial e patrimônio líquido, apuração do capital requerido conforme o grau de risco pelo regime prudencial completo, assim como estruturas de governança mais robustas.
Por sua vez, as cooperativas clássicas poderão realizar somente as operações hoje permitidas no regime prudencial simplificado. Esse segmento de cooperativa não pode realizar, por exemplo, operações que gerem exposição a variação cambial ou de preço de mercadorias, nem manter aplicações em derivativos.
Por fim, as cooperativas de capital e empréstimo não poderão captar recursos ou depósitos, sendo seu funding o capital próprio integralizado pelos associados. Suas operações ativas também estão limitadas àquelas permitidas no regime prudencial simplificado. São cooperativas com estruturas física e organizacional menores e que apresentam menos risco que as plenas ou as clássicas.
As cooperativas de crédito serão autorizadas a funcionar na categoria em que se enquadrarem e necessitarão de nova autorização do Banco Central para mudança de categoria. Para isso, deverão demonstrar adequação de capital, patrimônio líquido, estrutura de governança, estruturas físicas e de controles internos exigidos para a categoria em que pretendem ingressar.
A nova segmentação, bem como o prazo decorrido desde a última revisão dos valores de capital inicial e limite de patrimônio mínimo para cooperativas, exigiu uma reavaliação desses valores, de maneira a melhor refletir a escala mínima viável para operação de cada tipo de cooperativa.
No tocante aos procedimentos para solicitação de autorização para constituição e funcionamento, bem como para aprovação de alterações estatutárias, foram incorporados os procedimentos contidos na regulamentação que dispõe sobre a autorização para constituição e funcionamento das demais instituições financeiras, a Resolução 4.122, de 2012, com as necessárias adequações em função de especificidades do sistema cooperativista.
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Essa norma por si só já carrega em seu bojo poder suficiente para desencadear alterações importantes no setor, capazes de dar início a esse novo ciclo do cooperativismo.
No entanto, a ela serão oportunamente agregadas as mudanças a serem trazidas pelas normas decorrentes das Consultas Públicas 46 e 48, ambas de 2014.
A consulta pública 46, sobre a proposta de norma que trata da constituição e do funcionamento das cooperativas de crédito que tenham como objeto social principal a prestação de garantias em operações de crédito realizadas com micro e pequenas empresas, terá o poder de, por um lado, remover um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento do segmento de micro e pequenas empresas no Brasil e, por outro, de abrir um grande mercado para o desenvolvimento ainda mais acentuado do cooperativismo.
Por sua vez, a norma a ser originada da consulta pública 48 estabelecerá um novo modelo que amplia o escopo de atividades da Entidade de Auditoria Cooperativa, permitindo que as EACs realizem auditoria cooperativa interna e de gestão. Essa norma ampliará os canais de especialização e de integração das atividades de auditoria cooperativa com as de supervisão desempenhadas pelo Banco Central.
Os estudos e os debates para a materialização dessas normas, especialmente a que trata do novo modelo de auditoria cooperativa, estão em estágio avançado de elaboração. Mais precisamente, esse conjunto está sendo discutido no âmbito do Conselho Monetário Nacional.
Em seu conjunto, essas normas darão impulso ainda mais pronunciado ao desenvolvimento do ciclo que se descortina à frente.
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Senhoras e senhores,
Gostaria de concluir reafirmando a importância da continuidade do aprimoramento da regulamentação geral do segmento, no que tange à evolução dos padrões internacionais de regulação financeira e também, notadamente, ao amadurecimento do próprio sistema cooperativo, tanto com relação a suas operações e governança, quanto à sua integração vertical.
Naturalmente, o caminho à frente tem muitos obstáculos, e muito há ainda que evoluir em termos de profissionalização, governança, transparência e capacidade técnico-operacional, especialmente em um ambiente tão competitivo e dinâmico como o sistema financeiro.
Chamo a atenção, da mesma forma, para os desafios colocados pela evolução tecnológica vertiginosa, baseada na tecnologia da informação e na internet, que já está revolucionando, não só a indústria financeira, mas também o setor de serviços, o comércio e vários outros segmentos da economia.
Diante de tantas lideranças do movimento cooperativista aqui presentes, quero aproveitar o início desse novo ciclo para lançar aqui um desafio ao setor, para que iniciemos hoje a caminhada “Rumo aos 10 Milhões de Cooperados”. A partir da continuidade do trabalho dos que militam nesse setor, em conjunto com a atuação prudencial do Banco Central, acredito que esse segundo dígito pode ser alcançado em poucos anos.
Tenho a certeza de que o setor cooperativista saberá responder à altura a esse e aos outros grandes desafios que lhes são colocados.
Para isso, contem com a interlocução permanente com este Banco Central.
Agradeço a todos pela presença e desejo um bom evento a todos.”
Alexandre Tombini – Presidente do Banco Central do Brasil